Allocutio – Reunião do Senatus-RJ (Março/2016)

Estamos celebrando o quarto domingo desse tempo da Quaresma, já passamos do meio do tempo da Quaresma, que foi aberta no dia 10 de fevereiro, na Celebração das Cinzas, e daqui a mais ou menos 20 dias estaremos celebrando o Sábado Santo, a grande Vigília Pascal.

Hoje é o domingo que chamamos Domingo Letário, Domingo da Alegria. Assim como o terceiro domingo do advento é chamado Domingo da Alegria, quarto domingo da Quaresma também, pelo fato da proximidade da celebração da Páscoa do Senhor. E ganhou esse nome de domingo Letário por causa de uma coisa que não fazemos mais, porque no folheto A Missa vemos Antífona de Entrada que não usamos mais, que na verdade Antífona de Entrada, Antífona de Comunhão é o campo de entrada e é o campo de comunhão da Missa. Quando vamos no mosteiro, os monges cantam aquela Antífona Gregoriana e nas paróquias usamos o canto pastoral.

Como canto de entrada, antífona de entrada de hoje seria Isaías 66, 10-11, que fala ‘Alegrai-vos com Jerusalém, exultai-vos com ela todos vós que amais’, a primeira palavra é letária ‘alegrai-vos’, então por isso ganhou esse nome de Domingo Letário.

E nesse ano C, esse quarto domingo é marcado pelo evangelho da misericórdia, muito propício para nós que estamos celebrando também esse ano o jubileu da misericórdia proclamado pelo Santo Padre o Papa Francisco. E hoje o evangelho que ouvimos é um trecho do capítulo 15 de Lucas, justamente por causa desse capítulo 15 é que Lucas é chamado de evangelista da misericórdia, porque ali no capítulo 15 Lucas resume a misericórdia do pai em 3 parábolas de 3 coisas perdidas: a ovelha perdida, que é reencontrada, a moeda perdida, que também é reencontrada e o filho perdido, que é reencontrado. Três ações que revelam a misericórdia do pai e que mostram a imensidão paradoxal dessa misericórdia.

Primeiro, o pastor que larga 99 para buscar 01 ovelha. Depois, a mulher que varre a casa inteira procurando a moeda e quando acha a moeda, ela gasta além da moeda, porque se ela vai dar uma festa para comemorar a moeda encontrada, ela gastou não só a moeda encontrada, mas com certeza as outras que ela tinha também poupado durante a sua vida. E esse filho que volta para casa depois de ter pedido e perdido a herança paterna e é acolhido de novo pelo pai como filho. Então, são três parábolas de Jesus onde ele apresenta a força dessa misericórdia de Deus, que sempre procura o perdido e que sempre se alegra com aquele que volta, mas é interessante percebermos porque Jesus conta essa parábola.

Os primeiros versículos do capítulo 15 falam que Jesus pregava, e diante de Jesus existiam dois públicos diferentes: 1 – as prostitutas e os cobradores de impostos e 2 – os fariseus e os mestres da lei. As prostitutas e os cobradores de impostos ouviam porque eles queriam, afinal, encontrar o caminho de salvação. Os fariseus e os mestres da lei criticavam porque eles se consideravam já possuidores dessa salvação, e portanto, melhores que os outros e melhores que o próprio Cristo.

Jesus ilustra com essa parábola dos dois filhos exatamente esse dois tipos de comportamento: o filho mais novo expressa o comportamento das prostitutas e dos cobradores de impostos, ele sai da casa, pede a herança a seu pai ainda vivo, ou seja, já o considera como morto, gasta tudo aquilo que ele tinha em uma vida dissoluta e quando acaba o dinheiro, acaba também os falsos amigos, acaba também o prazer e a diversão, e de repente ele cai em si, como diz Lucas, e percebe que sua vida perdeu todo o sentido e que na casa de seu pai, os empregados vivem uma vida muito melhor do que aquela que ele está vivendo agora, porque tomando conta de porcos, nem a comida do porco ele pode comer e então, ele volta para casa. Esse comportamento do filho ilustra bem o encontro de Jesus com os pecadores da sua época, com as prostitutas, com os cobradores de impostos, com toda a sorte de pessoas que também viviam perdidas e longe de Deus, mas que encontraram em Jesus a possibilidade de uma reconciliação, perceberam que elas podiam ser aceitas de volta e por isso, voltam. E esse filho mais novo quando volta, volta pensando ser empregado do pai: ‘Vou dizer para o meu pai, pequei contra o céu e contra a ti, já não sou digno de ser chamado teu filho e trata-me como um dos teus empregados’.

É interessante que Lucas vai dizer que o pai o avistou de longe, ou seja, o pai não estava dentro da casa esperando que o filho batesse, mas o pai era alguém que estava o tempo todo esperando que esse filho voltasse, por isso que ele pode avistá-lo quando ele ainda está de longe. E dá ao filho toda dignidade perdida, porque, simbolicamente, Lucas diz que o pai deu uma sandália, um anel e a veste, e sabemos que esses eram sinais da dignidade de filhos, como no nosso batismo recebemos a veste batismal, como sinal da vida nova, do homem novo que nos tornamos a partir de então.

É interessante que Jesus não deixa de lado na parábola o outro público dos fariseus, os mestres da lei, que se consideravam justos e por isso, criticavam Jesus, porque o evangelho apresenta o outro filho que muita vezes fica de lado, o filho mais velho, que aparentemente é uma pessoa muito boa, que está sempre na casa, que está sempre trabalhando com o pai, sempre cuidou dos negócios da família, mas que quando chega na casa e ouve barulho de festa ele já não entra na casa e o seu pai tem que vir fora para lhe explicar o motivo da festa, a alegria do reencontro do irmão e ali ele aproveita para manifestar a sua amargura, porque se o outro mais novo não se sentiu filho, por isso saiu da casa, esse mais velho também nunca se sentiu filho, se sentiu sempre empregado e isso se reflete na cobrança que ele faz do pai: ‘A tanto tempo eu te sirvo e nunca me destes uma ovelha para comemorar com seus amigos’ e o pai fica surpreso porque ele vai dizer: ‘Tudo o que é meu, é teu, então a qualquer momento você podia ter se servido daquilo que quisesse, mas era necessário fazer festa, porque esse filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi reencontrado’.

Esse evangelho serve para nós tanto para nos identificarmos com a figura, seja do filho mais velho quanto do filho mais moço. No filho mais moço para que compreendamos, muita vezes em nossas vidas também fazemos essa experiência de um afastamento de Deus, ás vezes mais forte, mais significativo, marcado, ás vezes, por uma experiência de pecado mesmo, outras vezes mesmo estando dentro da Igreja, dos nossos trabalhos pastorais, as vezes fazemos essa experiência de um esfriamento, de um afastamento de Deus.

A atitude do pai com relação a esse filho mais novo de ser para nós um estímulo, para sabermos que da parte do pai não há impedimento nenhum para sempre nos acolher, desde que queiramos fazer como o filho fez: cairmos em nós mesmos, reconhecemos o pecado e nos voltarmos para ele. Ele está sempre pronto a abrir para nós as portas da misericórdia, mas penso que para nós que caminhamos muito tempo na fé, que temos um trabalho, que somos legionários, talvez a atitude desse filho mais velho sirva mais para nossa conversão, para nos vermos um pouco nesse filho mais velho por vários motivos: Primeiro porque nem sempre entendemos a misericórdia do pai e muitas vezes quando alguém volta para Igreja, quando alguém começa na Igreja, sobretudo nas nossas comunidades paroquiais, sobretudo se são pequenas, muitas vezes conhecemos a vida das pessoas e corremos o risco de alguém voltar ou de alguém que nunca esteve, vir participar e sobretudo se essa pessoa começa crescer na comunidade, aparecer, manifestar os seus dons, muitas vezes essa indignação do filho mais velho pode tomar conta do nosso coração: ‘Estou aqui a tanto tempo e Deus não me vê, como agora essa pessoa que acabou de chegar, que afinal de contas tem uma vida tão trelele assim, e de repente ela volta e tudo isso se realiza pelo meio dela’. É um comportamento que muitas vezes pode acontecer na nossa vida.

Vi um filme sobre a vida de Santa Bernadete que a superiora do convento disse exatamente isso para ela, quando Bernadete a conselho do Bispo sai de Lourdes e vai para o convento das Irmãs de Nevé, a superiora faz um inferno na vida daquela mulher, faz de tudo para perturbar a vida dela e entre tantas coisas, um dia a superiora pega ela e diz assim: ‘Eu queria entender porque a Virgem apareceu para você? Porque estou no convento há tantos anos, meu olho é seco de tanto fazer vigília, eu passo a noite nessa Capela rezando, nunca a Virgem nem me deu tchau e você uma jovenzinha, ignorante, analfabeta, que nem sabe quem é a Santíssima Trindade, a Virgem apareceu para você’. Depois quando a superiora vê a vida espiritual de Bernadete, ela passa ser uma grande amiga de Bernadete. Isso é para vermos como isso pode acontecer em nossas vidas, de termos esse comportamento como o filho mais velho, de não compreendermos a misericórdia de Deus que aceita quem se volta para ele, quem se arrepende e acolhe aquele que volta de todo o coração.

É importante também aprendermos a não sermos como o filho mais velho, empregados de Deus, porque muitas vezes nosso trabalho na paróquia, na Legião ficamos como esse filho mais velho, ele nunca foi um empregado, seu serviço na fazenda do pai era um serviço para ele mesmo, porque afinal de contas ele fazia parte daquela família. Também, nós batizados, ao exercermos nosso apostolado não é simplesmente um trabalho, é um trabalho, mas não é um trabalho como de um empregado que espera uma recompensa, é o trabalho de alguém que pertence aquela família e que sabe do seu dever de fazer com que aquela família viva bem, cresça, progrida, então por isso nos comprometemos e trabalhamos, não como alguém que trabalha e espera algo, mas como alguém que trabalha em algo que pertença a sua própria vida, a sua própria família, que era o que esse filho mais velho não era capaz de entender, por isso, ele roubava do pai alguma coisa.

Que possamos aproveitar esse evangelho, não só para confiarmos na misericórdia como o filho mais novo, mas para aprendermos o que é a misericórdia, como faltava para o filho mais velho aprender e compreender essa misericórdia do pai. Não essa misericórdia boba, que as pessoas aproveitam o ano da misericórdia para falar, mas a misericórdia que nos ajuda a corrigir os ignorantes, desde que a pessoa deseja uma vida nova.

E que possamos aproveitar esse tempo para fazermos uma boa aproximação do Sacramento da Reconciliação, tempo que nas Paróquias temos as confissões em mutirão, é importante nos prepararmos pelo exame de consciência, porque hoje em dia muitos fieis fazem o exame de inconsciência, muitos vem para a fila completamente inconscientes do que irão confessar. É necessário aproveitarmos esse tempo para fazermos um bom exame de consciência, não é para sermos escrupulosos, que vemos pecado em tudo, mas é para não cairmos no outro extremo de não vermos pecado em nada, que geralmente nós que estamos caminhando pensamos assim: ‘Se eu não roubo, se eu sou casado e não faço adultério, se eu não matei ninguém, então eu não tenho pecado’, como na verdade existem muitas outras coisas na nossa vida, as nossas omissões, os nossos juízos, as ações que deixamos de realizar em prol do próximo, coisas das quais precisamos examinar para que pelo menos na quaresma façamos uma boa confissão, não aquela confissão de justificativas, mas aquela confissão de realmente apontarmos nossos pecados e podermos de coração mais purificado, celebrarmos com alegria a Páscoa do Senhor. Então, que aproveitemos as oportunidades que existem nas paróquias, em tantos lugares de confissão, fazendo a experiência da misericórdia completamente do sacramento, possamos celebrar com alegria a Páscoa do Senhor.

Por: Padre Fábio
6 de mar. de 2016

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