A Legião e as Pontes

O ano de 1961 foi muito importante para a Legião de Maria. Mary Clerkin retorna a Irlanda após o término de seis anos de árduo trabalho missionário aqui no Brasil. Missão que termina, missão que continua. Foi nesse mesmo ano que Irmã Yolanda e Irmã Denair, do Praesidium da Paróquia de Santa Mônica, no Leblon, Rio de Janeiro, deram continuidade ao trabalho de extensão na Bahia, mais precisamente em Vitória da Conquista.

Todo esse trabalho pode se resumir em poucas palavras: criar e atravessar pontes. A viagem de ônibus para a Bahia durava pelo menos três dias. Hoje seria apenas um dia de ônibus e duas horas de avião. E elas enfrentaram essa jornada pernoitando em hotéis de beira de estrada. Estradas perigosas e sem asfalto não as intimidavam. O primeiro pernoite foi em Caratinga, Minas Gerais, onde Irmã Yolanda já havia fundado a Curia Mystica. Aproveitaram a oportunidade para conversar com os oficiais sobre os progressos da Legião na localidade. Sem telefone, internet, Facebook e WhatsApp, só muitas horas de viagem e muita roupa “cor de barro” para conseguir essas informações.

No segundo dia, às 20h, chegaram a Itaobim. Lá, a Legião ainda não era conhecida e nossas construtoras decidem procurar o pároco local para apresentá-la. Você conhece Itaobim? Não? Eu também não conheço, mas quem conhece sabe que a cidade é dividida em duas partes ligadas por uma ponte grande e bonita sobre o Rio Jequitinhonha.

Pois bem, onde o padre morava? No lado oposto ao que elas estavam, claro. E, sem pestanejar, as duas decidiram atravessar a ponte para conversar com ele. Mesmo sob os protestos dos moradores, que temiam pela segurança delas, uma vez que havia muitos assaltos na tal ponte.

Inseguras, tanto de um lado quanto do outro, decidiram atravessá-la àquela hora da noite, carregando todo o dinheiro que tinham dentro de seus sapatos, confiando em Deus e sob os cuidados de Nossa Senhora, sempre rezando o terço. “O luar era lindíssimo e a ponte estava toda iluminada, como se fosse dia”, conta Irmã Yolanda.

Já estavam chegando ao outro lado quando um homem apareceu de bicicleta e atravessou a pista indo em direção às duas missionárias. “Imaginamos que era um ladrão e começamos a temer”, explica Irmã Yolanda. Neste momento, por providência divina, apareceu um cão grande e branco e se enroscou nas rodas da bicicleta. E o condutor caiu, lutando com o cão. “Nós saímos correndo até a localidade, sempre rezando”, explica.

Chegando lá, o Padre não estava na cidade e dois dias depois iria ao Rio de Janeiro. Com isso, puderam apenas deixar o endereço da sede da Legião para um possível contato por carta. E agora, como voltar? Também milagrosamente apareceu um menino de mais ou menos oito anos de idade e se ofereceu para atravessar a ponte com elas, pois havia um jipe que fazia a travessia, mas ele já havia partido. E a dúvida agora era: contar ou não com a ajuda do pequenino? O que ele poderia fazer contra um possível assaltante? Irmã Denair convenceu Irmã Yolanda de que a companhia de um morador da localidade poderia inibir um possível criminoso. Foram. No meio do trajeto, escutaram um barulho e, olhando para trás, avistaram os faróis do jipe, que para a alegria de todos, ainda não tinha seguido para o outro lado. Então, subiram para o carro e seguiram viagem, não sem antes dar um forte abraço no menino, cujo nome até hoje elas desconhecem.

No dia seguinte, continuaram a viagem e chegaram a Vitória da Conquista. Lá, foram recebidas pelo Bispo Dom Jackson Berenguer Prado. Ele as hospedou na Santa Casa. Neste mesmo dia começaram a sua missão visitando à noite um praesidium criado um ano antes. Depois, foram divulgar o trabalho da Legião em outras paróquias, fundando novos praesidia, com muita gente jovem e de meia idade. Marcaram a fundação de uma Curia para o mês seguinte. Mas, como todo trabalho missionário, também passaram por momentos difíceis. Enquanto estavam na cidade, houve uma tragédia que abalou a todos. Um ônibus capotou e houve várias mortes e vários feridos. Elas, prontamente foram visitar os feridos e consolar os parentes que perderam seus entes queridos. Neste trabalho, foram mensageiras de Maria no consolo de um senhor que perdeu três membros da família no acidente e chorava com o filho morto nos braços.

De lá foram para a cidade de Boa Nova, cidade fora da estrada Rio x Bahia por questões políticas. Cidade pequena, mas rica por causa da criação de gado. Foram mais uma vez de carona em um jipe e o trabalho não foi em vão. Saíram de lá com dois Praesidia bem fundamentados, no qual professores, juízes e bancários assumiram a função de membros ativos. E com tanto sucesso, não esqueceram do principal fundamento de uma missão: o amor. Irmã Yolanda, em seu quarto de hotel, teve a sensibilidade de ouvir uma conversa trivial no meio de uma grande feira que ficava na rua do hotel em que estavam hospedadas. Nela, um senhor pedia a um passante um casaco, pois havia observado que o transeunte havia acabado de comprar outro. Recebeu um não sonoro, o que irritou Irmã Yolanda. Mesmo com dinheiro contado somente para o trabalho, ela pediu que Irmã Denair comprasse o casaco, que acabou se transformando em um cobertor, que ela pagou posteriormente quando chegou ao Rio.

Neste trabalho, além da Curia Humílima, fundada em Vitória da Conquista, um mês depois, fundou também uma Curia em Poções, outra cidade da Bahia. A presidente da Curia Humílima era uma jovem de 20 anos, o que era, e ainda é, motivo de grande alegria para a Legião. De lá para cá tanto tempo se passou. Esses trabalhos já fizeram seu jubileu. Irmã Denair infelizmente não estava viva para comemorar tamanha alegria. Ela foi se juntar ao exército de legionários falecidos após um acidente de carro, com mais ou menos quarenta anos. Mas o seu empenho legionário jamais será esquecido. Irmã Yolanda também não esteve na comemoração por não se achar merecedora de louvores, mas sabe a importância do trabalho que fez. ”Fui apenas um instrumento. Parabenizo aos que levam a Regia de Vitória da Conquista, ligada ao Senatus de São Salvador, a fazer um trabalho tão bonito”, finaliza Irmã Yolanda.

#HistóriasLegionárias

Viviane Couto, 25 de set. de 2016

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